O Caos nosso de cada dia
- Flavio Ferrari
- 22 de mai. de 2020
- 3 min de leitura
O Caos é um importante conceito filosófico e religioso. Tanto num caso como no outro, representa o vazio ou a desordem que antecede a criação.
Na linguagem coloquial, caos é equivalente a uma grande confusão, ou uma situação tão complexa, desordenada, ilógica e imprevisível que não conseguimos compreendê-la.
Nossa mente consciente não convive bem com esse tipo de situação. Precisamos da ilusão do controle para interagir de forma eficiente com a realidade.
Filosofia e Religião são criações humanas, de nossa mente consciente, para conferir alguma ordem ao caos. Fazem parte da consciência coletiva, na concepção do pensador francês Émile Durkheim (1858 – 1917), e recorremos a elas em busca de conforto quando não conseguimos negar sua existência.
Em outro texto do Descolapso, falei sobre os modos de pensamento que regem nossa interação com a realidade e o mundo que nos cerca.
Embora seja uma dramática simplificação, é interessante observar como cada um dos quatro modos de pensamento, Instintivo, Absolutista, Relativista e Holístico, encaram o Caos.

Instintivos e Relativistas procuram combater o Caos, cada um a seu modo. Absolutistas e Holísticos tendem a aceitar o Caos e utilizá-lo a seu favor.
Se tomamos a situação que vivemos hoje, enfrentando uma pandemia causada por um vírus pouco conhecido para o qual ainda não temos remédio ou vacina, e ainda sem sabermos ao certo como contamina e afeta os diferentes grupos de indivíduos, poderemos observar os quatro modos de pensamento em ação, a partir dos pronunciamentos, declarações, medidas adotadas e comentários em redes sociais.
A mente Instintiva desenvolve comportamentos supersticiosos para combater o Caos. Acredita que receitas caseiras milagrosas (com alho, limão, gengibre ou ervas) ou rituais de proteção (como não olhar para as pessoas, andar mais depressa ou acender velas) podem impedir ou minimizar o risco de contaminação e acelerar a recuperação.
No polo oposto, a mente Relativista adota procedimentos científicos para combater o Caos. Acredita que medicamentos milagrosos (cloroquina, azitromicina, Remdesivir, coquetéis) ou rituais de proteção (uso de máscaras, limpeza dos objetos, não levar as mãos ao rosto) podem, igualmente, minimizar o risco de contaminação e acelerar a recuperação.
Ainda que acreditemos que as propostas do segundo grupo sejam mais eficientes do que a do primeiro, chamo a atenção para a similaridade de atitudes.
A mente Absolutista aceita que o Caos faz parte de um plano maior (divino) e que tudo que podemos fazer é escolher entre sermos vítimas ou protagonistas dessa situação. Utiliza a situação caótica para obter benefícios, justificar erros e reforçar as posições de poder e controle.
Na outra ponta, a mente Holística aceita que o Caos é inerente à concepção do Universo e que o controle é uma ilusão. O que podemos fazer é aproveitar esse momento para evoluir, individualmente e como sociedade, desenvolvendo aspectos humanitários como a solidariedade e repensando a maneira pela qual vivemos.
Novamente, apesar das diferentes perspectivas, chamo a atenção para as semelhanças.
"O que todos querem, de um modo ou de outro, é recuperar a ilusão do controle diante do Caos".
Com alguma isenção e honestidade, observando nossos próprios pensamentos e emoções durante esse período, somos capazes de nos reconhecer em cada uma dessas quatro abordagens do Caos, certamente com maior predominância de uma ou de outra (no artigo anterior, comento que a maior parte da população brasileira me parece estar no espaço entre Absolutistas e Relativistas).
Mas o real objetivo desta conversa é trazer a ideia de que, mesmo quando não enfrentamos uma pandemia, o Caos está presente em nossas vidas, representado por todas as coisas que não podemos controlar ou prever, e que utilizamos esses subterfúgios de nossa mente consciente para lidar com ele, devolvendo-nos a ilusão do controle.
Obviamente, tenho um viés Holístico quando escrevo os textos do Descolapso, porque esta é a natureza deste espaço.
Fica o convite para pensar no assunto.
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